segunda-feira, 19 de maio de 2014

Sentido

Eu sinto a dor da morte de quem não morreu 
Eu sinto nos ossos a frieza do desprezo doado
Eu sinto o aroma do Whisky de Vinicius de Moraes
Eu sinto o grito contido de Chico Buarque
Eu sinto o amor de Tom Jobim 
Eu sinto a inquietude e desesperança de Elis Regina 
Eu sinto o excesso de Cazuza 
Eu sinto o peso das palavras de Clarice Lispector 
Eu sinto o incômodo psíquico de Florbela Espanca 
Eu sinto o estrago dos corações dilacerados
que rasgam-se fio a fio, com o passar dos dias
Eu sinto a saudade da despedida 
Eu sinto o parto e o quarto desarrumado
Eu sinto a intolerância dos preconceituosos
Eu sinto o silêncio dos oprimidos
Eu sinto o choro do mundo, o canto do mundo
O buraco-vazio que compõe o mundo
Eu sinto o ensaio do que não será apresentado
Eu sinto a complexidade das relações
Eu sinto as facadas literárias
Eu sinto os conflitos das multidões
Eu sinto a ausência do prazer
Eu sinto a falta de sentido da existência
Eu sinto o nada
Eu sinto tudo, em absoluto. 

Fonte da imagem: Google.


domingo, 18 de maio de 2014

Intimidade

Abriram-se as portas do céu - do excitante céu. O velho mundo foi desconstruído, há cores nunca vistas antes. Despejaram de lá, outros sabores para as línguas sedentas e atentas, lambuzarem-se. O gosto de pele tão desejado... está à mercê, pronto para ser experimentado. É notório o cheiro dos livros e discos novos que clamam para que sejam devorados, contemplados e serão, do mesmo jeito que usa-se e abusa-se daquela camiseta velha: tão aconchegante, valorizada em noites de chuva e solidão. Acontece que, a música mudou o tom, o perfume humano aflorou, o batom durou. Ouvi dizer que ela reviveu ou se (re)conheceu, talvez. No entanto, ela sabe ser ela mesma e tem sido, cada vez mais, só de sacanagem. 


Fonte da imagem: Google.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Inexplicável?

É loucura, só pode ser loucura, é escravidão absoluta. E a pior escravidão é a de si mesmo, aquela solitária e impiedosa necessidade de conter-se, a cuidadosa limpeza do próprio terreno: desenterrar a si mesmo é complexo demais. São manhãs com gosto de pele, ar com cheiro de arrependimento e a indisposição de uma ressaca moral. É como engolir a angustia com o tempero azedo, é um aborto espontâneo, um martírio de dor e prazer. Ninguém ouve, ninguém alcança, suporta ou tolera, é pesado, é um trago individual. É abraçar a cama como se estivesse amando a morte, contemplando o fim e o inexplicável. Arde! Incomoda! Maltrata! Sacia! Não tem nome, endereço ou cor, são mãos suadas e sensibilidade atenta, são ouvidos aguçados e o paladar apurado, regenera, transcende e nunca vai embora. 

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Oi!

Vem aqui, sente-se. Vamos dividir um café. Me deixa tragar do teu cigarro, talvez assim sinta o gosto da tua boca. Fale-me de você, me conta sobre o que te inspira; sobre o que te irrita, qualquer coisa, mas diz, grita ou sussurra, só não me empresta o teu silêncio que ele não combina comigo. Vamos contemplar a lua, falar sobre literatura ou culinária, ou sobre qualquer coisa que queira, mas me diga coisas. Coisas que queira dizer, ou se não quiser, me empresta aquele olhar transparente que transmite pureza e sentimentos, uns ruins, outros bons, mas que me deixam molhada de suor.

Consegue ouvir? Hipnotizo-me ouvindo a sua respiração. Ou será que ouço o meu coração? Não, não, insisto que é a tua respiração... Ouço tão dentro de mim, como respiras alto! Engraçado que durmo ouvindo o mesmo som, acordo com ele em volume baixo e com o passar do dia ouço cada vez mais alto. Por que ainda que longe de você escuto os teus suspiros? Jogaste feitiço em mim, criatura! Mas vamos lá, agora estou pronta para ouvir: Quem é você?


Fonte da imagem: Google

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Sem freio

Eu preciso de qualquer coisa que tenha garra, vida, gana, tempero. De qualquer coisa que tenha ritmo, balanço, recheio... de qualquer coisa que ande, grite, fale, aperte. Eu preciso de cores, sabores, de garganta, pescoço e boca... de toda visceralidade existente. Eu preciso de um nó ou laço, de um traço, de um contorno, corte e embaraços. Preciso de ideias, projetos e declamações... de doses, cartas na manga, revoluções. Preciso de contos, Machados, Pessoas, Clarices. Eu não preciso da normalidade, da baixa frequência e desonestidade; não preciso da falta, do morno, do não-existente, não preciso da corda bamba, do descontente, descumprido e descolorido. Não preciso da boneca inflável, do vinho doce nem das migalhas de outrora.


Fonte da imagem: Google.

Avesso

Aguardo inquietamente o desfecho. Não busco a razão de viver e sim a vida-sem-razões, como numa viagem sem rumo, eu quero boas novas, cheiros exclusivos, paisagens inéditas e sorrisos menos 'virtuais'. Estou tonta diante da mesmice, envenenada pela falta de originalidade e ando carente – sinto falta de olhos artísticos! As ruas da cidade não combinam com o meu estilo e as paredes estão limpas: quero enxergar pinturas e extravagâncias. Os ares não me oxigenam mais, suplico por ar puro, um ar mais carinhoso do esse que inspiro agora. Não quero muito mais que a troca profunda de pele, mente e alma. Almejo que tudo esteja em seu lugar: no avesso do contrário. 


Fonte da imagem: Google.